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Debate: a quem interessa não desenvolver políticas de combate às desordens do sedentarismo e má alimentação

O debate abaixo foi uma atividade feita online no dia 3 de março, pela página do Facebook do projeto “(Marilia Coutinho)”.

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Questão aberta: A Organização Mundial de Saúde identificou, em maio de 2004, que 60% da morbidade e mortalidade da população humana estava relacionada com a alimentação inadequada e a inatividade física. Ou seja, estamos comemorando 10 anos desta constatação, sem grandes avanços. Por que será que é tão complicado enfrentar a questão?

(Luális Rosa) É uma questão de envolve muitos interesses… A quem importa uma população doente?

(Alberto Sarly Coutinho) População doente alimenta toda uma cadeia: laboratórios e grandes indústrias de alimentos em primeira ordem e todos os seus derivados em cascata. Gente pobre e doente (relação minha, tendo em vista que a grande massa da população mundial encontra-se em na faixa da pobreza) gera MUITO dinheiro!

(Marilia Coutinho) Bom, acho que o Alberto colocou o dedo na ferida: a “indústria da doença” não tem nenhum interesse em que essa pandemia seja resolvida. Então, nesse caso, a ela importa muito uma população doente, pois lucra com isso – e quem paga a conta financeira é toda a população. Quem paga em sofrimento é quem fica doente.

(Alberto Sarly Coutinho) Gente doente se contenta com qualquer alívio, o que fortalece as políticas governamentais de reforço ao sofrimento, apresentação de uma melhoria mínima (que não resolve o problema, mas para quem está sofrendo é quase a salvação), para então se firmar “mamando nas tetas financeiras” do país.

(Marilia Coutinho) Seria talvez como os anti-depressivos, que aliviam “um pouquinho” e logo em seguida requerem outras drogas adicionais ou mesmo substituição por outro anti-depressivo? Manter a população doente por inatividade e má alimentação inativa e comendo mal, mas “um pouquinho” melhor com um anti-hipertensivo?

(Alberto Sarly Coutinho) Hoje em dia é fácil encontrar em farmácias populares os medicamentos para hipertensão (Hidroclorotiazida) e para diabetes (Cloridrato de metformina) dados pelo governo, mas o que as pessoas não se perguntam é quanto foi pago (e é pago) para que esses medicamentos sejam oferecidos à população, que de forma inconsciente sentem liberdade para seguir uma estrutura de dieta que favorece o aparecimento dessas duas pandemias, o diabetes e a hipertensão. Cria-se um círculo vicioso que se alimenta de si mesmo… É triste.

(Luális Rosa) É interessante para quem detêm o poder que nos afastemos de nós mesmos, quanto mais medicalizados, mais nos perdemos daquilo que realmente somos. Nos fazem acreditar que existe uma pilula magica que resolverá todos nossos problemas que está a venda na farmácia mais próxima. E assim alienados de nos mesmos, vamos perdendo nossa essência.

(Marilia Coutinho) Então, Alberto, teríamos um terceiro “ator” com interesses investidos aqui: as burocracias governamentais corruptas. A indústria alimentícia e a estrutura de trabalho e vida urbana, sem espaço para a vivência corporal ativa, proporciona a doença; a indústria farmacêutica produz medicamentos para vender para os doentes, sem obviamente curar uma doença que é de estilo de vida; as burocracias governamentais aprovam a compra em lote dos medicamentos e distribuem à população, que permanece doente. A indústria ganha dos dois lados e a população perde de três formas: ficando doente, pagando impostos e pagando medicamentos. É isso?

(Alberto Sarly Coutinho) O sonho da grande maioria das pessoas é esse, tomar um comprimido e não precisar fazer nenhum tipo de exercício físico, não precisar cuidar da alimentação. O que nos leva a outras duas áreas que se alimentam disso, a indústria dos suplementos alimentares e a indústria das drogas ilícitas, que oferecem todos os anos uma “novidade nova nunca antes vista que poderá resolver todos os problemas”.

(Luális Rosa) Não sei se já viram isso: Pílula é capaz de produzir os mesmos efeitos da prática de exercícios

http://www.minhavida.com.br/alimentacao/materias/3037-pilula-e-capaz-de-produzir-os-mesmos-efeitos-da-pratica-de-exercicios

* – *

(Alberto Sarly Coutinho) Parece existir uma política de descobrimento, confirmação e então a manutenção desse status quo. Encaro a indústria da doença como uma das responsáveis por produzir os reforços negativos que só agravam o estado da população.

(Marilia Coutinho) Alberto, como você acha que se articulam estes interesses? A OMS teria identificado a questão através de um impotente “braço acadêmico” a despeito dos interesses da “indústria da doença” (alimentícia + farmacêutica)? Ou até mesmo a identificação da pandemia teria intersses perversos, para vender mais medicamento, indústria de emagrecimento, etc?

(Alberto Sarly Coutinho) O maior exemplo de alarde feito pela indústria farmacêutica dos últimos anos chama-se H1N1, com uma corrida quase armamentista para a vacinação em massa (o que levou o laboratório GlaxoSmithKline a lucrar horrores).

(Marilia Coutinho) Os carros-chefe da indústria farmacêutica são os anti-hipertensivos, drogas anti-colesterol e psicotrópicos. Você acredita que manter o mito do colesterol como causa das doenças coronárias e vascules, em detrimento da inatividade e consumo de açúcares é algo orquestrado por ela?

(Alberto Sarly Coutinho) Alimentos produzidos com trigo e derivados do açúcar são baratos para a produção e facilmente produzidos em larga escala, assim a indústria de alimentos ganha pelo volume de venda. Alimentos de origem animal precisam de muito mais tempo e dinheiro para serem produzidos, então é mais fácil criar um mito de que o colesterol é ruim e direcionar as escolhas da população para os carboidratos combinados (açúcar + gorduras), assim se mantem toda uma rede de problemas interligada.

(Marilia Coutinho) Interessante! Mas em países de primeiro mundo, o consumo de proteína de má qualidade com grande quantidade de carboidrato de alto IG predomina na alimentação do pobre, muito calcada na fast food. Esse argumento seria então mais válido para países em desenvolvimento e altamente urbanizados, como o nosso?

(Alberto Sarly Coutinho) Aqui temos absorvido a mentalidade “superior” dos país de primeiro mundo e consumindo também esse tipo de alimentos nutricionalmente pobres. Vamos analisar o BigMac? 494kcal, 40g de Carboidratos, 25g de Proteínas, 26g de Gordutas, 60mg de Colesterol. Só essa combinação de ‘nutrientes’ consumidos lá fora e aqui no Brasil tem mais capacidade de colocar um sujeito normal doente do que o mesmo peso (204g) de carne bovina.
A tabela nutricional vocês encontram aqui: http://goo.gl/vU8CZ9


A alienação corporal pesa mais sobre a mulher

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Como se expressa a alienação corporal? Como podemos identificar sua expressão na vida social?

Existem várias manifestações patológicas da alienação corporal:
– desordens alimentares
– insatisfação com a própria imagem / desordens dismórficas
– sedentarismo (sim, considero sedentarismo um comportamento patológico)
– desordens sexuais
– fracasso na adesão a programas de atividade física
– fracasso na adesão a tratamentos de saúde que requerem pro-atividade

1. Desordens alimentares

Ao contrário da literatura mainstream, eu faço uma distinção entre os comportamentos voluntários e os involuntários neste caso. Existe uma epidemia de sobre-alimentação na sociedade não necessariamente associada a um comportamento patológico, e sim como resultado da vitimização do indivíduo pouco informado ou pobre pela indústria alimentícia. Esse indivíduo se sobre-alimenta INVOLUNTARIAMENTE, já que as doses de alimento nas refeições suficientes para satisfazê-lo têm um conteúdo calórico muito superior ao seu consumo fisiológico e ele não sabe disso. É o caso do pobre ou indivíduo sem acesso a informação que consome fast food e ingere mais de 1500 calorias apenas em sanduíche e refrigerante.
A sobre-alimentação VOLUNTÁRIA é outro caso: é o comportamento dos indivíduos que têm acesso a informação suficiente para muni-lo com ferramentas decisórias e que DECIDE fazer superavit calórico. Ele sabe que as consequências serão aumento de peso ou manutenção de seu sobre-peso, e ainda assim mantém o mesmo comportamento.
A sub-alimentação  voluntária está envolvida nas causas das desordens dismórficas da anorexia e bulimia, enquanto a involuntária ocorre em situações de fome endêmica.

“Overeating” (sobre-alimentação) e suas consequências, o sobre-peso e a obesidade, a anoexia e a bulimia são desordens de causas complexas, mas têm algo em comum: o corpo é externo ao portador. Ele DECIDE não atender a uma demanda fisiológica porque a demanda é de “alguém mais”, e não dele. Não é “ele” que ganhará excesso de gordura ou perderá peso através do comportamento, e sim “seu corpo”. O corpo é um fardo, um problema, algo inclusive odiado, porque rebelde e fora de controle.

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Decisão: por que ela é sua e como tomar a melhor

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Decisões. A vida é cheia delas, não é mesmo? Na verdade, é um pouco mais que isso. A vida, ou qualquer “estado de coisas” numa sociedade, é produto da combinação entre o estado prévio, acaso e o arbítrio, ou seja, decisão.

Passar mal com o calor insuportável dos verões destes últimos anos é produto do estado prévio. Existe um aquecimento global, o curso dos útimos anos é este, não é uma decisão e nem é fortuito: há uma história climática que fez deste o “estado prévio”.

A queda de um meteorito com metais raros no capô do automóvel sucateado de uma família pobre é um evento fortuito (do acado) que fará dela milionária. Ser abalroado por um caminhão desgovernado numa estrada com neblina é um evento fortuito.

Isso tudo parece muito óbvio até que examinamos com detalhes cada situação. O caminhão pode ter se desgovernado porque o motorista estava bêbado ou porque uma peça quebrou repentinamente. Esta peça pode ter quebrado por negligência da empresa que a fabricou ou porque uma em cada 100.000 delas quebra mesmo, é característica do material e do fenômeno.

Assim, poderíamos dizer que em qualquer momento da vida, temos um estado prévio (também chamado de contexto) que é uma pré-condição: nada podemos fazer em relação a ele. Também temos o acaso, sobre o qual obviamente nada podemos fazer. Finalmente, temos o reino do arbítrio.

Em qualquer sociedade, mais ou menos complexa, os indivíduos têm uma certa dose de poder decisório sobre questões que lhes dizem respeito. A outra parte foi delegada a instâncias de tomada de decisão, a maior parte delas residente sob o guarda-chuva “Estado”. De uma maneira muito simplista, viver em sociedade implica em abrir mão de uma certa quantidade de decisões, que passam a ser da esfera de outros ou de algo não pessoalizado.

Por exemplo: numa estrada, há uma mão que vai e outra que vem. Foi decidido assim. Você não pode decidir usar uma delas em sentido contrário. Para garantir que mesmo que você queira decidir, isso seja impossível, há uma barreira mecância em geral entre uma e outra. Essa decisão foi tomada por você, para você, por outras pessoas, você não participou e é assim que funciona.

Sociedades mais simples não são menos arbitrárias: podem ser mais. Por serem mais simples, os mecanismos de coerção são mais eficientes.

Numa sociedade moderna, complexa, sob governo democrático, existem inúmeras decisões que competem ao indivíduo. E é aí que entra o marketing, ou discurso persuasivo institucional, para ganhar a sua decisão. Você conhece essa palavra para indicar as atividades que produzem publicidade comercial. No entanto, todas as instituições produzem um discurso de persuasão para influenciar sua decisão pessoal. A sua decisão tem um valor muito maior do que você imagina que ela tenha. Todos lutam por ela.

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O efeito “diário alimentar”

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Algum tempo atrás publiquei um artigo com o título de “the journaling effect”. Tratava-se de uma crônica sobre o meu próprio comportamento alimentar quando registrando e quando não registrando a dieta, ou seja, fazendo o diário alimentar. Quando é necessário modificar o peso ou composição corporal por ocasição de alguma competição, o registro por si só já provoca as alterações no sentido previsto. O fato é que o ato de registrar de forma precisa e detalhada algum comportamento ilumina o mesmo com nossa atenção e traz à tona elementos inconscientes ou pouco conscientes.

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Proatividade e exemplo familiar

coca-cola-assume-que-engorda-e-lanca-campanha-contra-obesidade_by_gazapublicidadeblog_2013-496x292….e então entram Marcela e sua mãe, Maria. Puxam as cadeiras, sentam-se. Maria coloca em cima da mesa seu maço de cigarros e o celular. Respondem ao “bom dia”: a moça, com um sorriso tímido, e a mãe, de olhos acusadores em cima de Marcela. E lá vamos nós…

– “ Então, Marcela, o quê traz você ao nutricionista?” Continue lendo


A linha tênue entre Saúde e Estética

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(este texto foi originalmente publicado em 2007 e fundamentou a proposta do meu livro “saúde e estética” – reproduzo aqui por afinidade no projeto)

Anteontem recebi um e-mail de um amigo (vamos chamá-lo de “amigo 1”) que me pediu ajuda com uma questão de saúde. Não muito diferente de outros que recebo de gente que me identifica por aqui, pelo meu site ou pelo orkut: um homem sedentário com sobrepeso acentuado que não está satisfeito com essa condição. Este homem não está satisfeito nem com a própria aparência, nem com a sensação geral de mal-estar associada à condição. Me disse que se sente bem quando pratica algum exercício, mas que seu médico (cujo CRM no mínimo deveria ser cassado) pediu que ele não praticasse atividade física alguma. O médico anti-ético, desinformado e mal-formado não é assunto desta crônica – são a maioria e já tratei deles em outro artigo. Continue lendo


O Gordo e o Fraco.

Não é algo muito recente na minha história, mas há mais ou menos 6 anos eu entrei em uma jornada diferente da comum. “Comum”, vejam bem, é o apelido politicamente correto de “normal”, que incomoda menos alguns eternos incomodados, mesmo que a ideia de “norma” seja estatística e não esteja errada, apesar de cada incômodo sentido pelos mesmos. O “comum”, nesse caso, seria a jornada para ter menos gordura corporal– sem papas na língua, não ser gordo.

Na verdade, o objetivo final da jornada comum não se satisfaz aí. Quem atinge o “não-gordo” muitas vezes descobre que quer o “sarado”, o “tanquinho”. Mas, porque terei eu seguido outra jornada, por definição, “incomum”? Continue lendo


Esta época do politicamente correto é um saco!

Mal nosso blog foi ao ar e começaram a nos rotular de gordofóbicos.
Sinceramente, gostaria de saber onde está a gordofobia no ato de se preocupar com a saúde das pessoas?
Onde está a gordofobia no ato de tentar fazer as pessoas se preocuparem com a qualidade do que estão ingerindo?
Onde está a gordofobia no ato de se alimentar pensando na finalidade dos nutrientes que estamos ingerindo?
Onde está a gordofobia em se pensar na alimentação como um ato fisiológico essencial para a nossa sobrevivência? Continue lendo


Eu e meu corpo: o gato feio lá fora

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Este texto tem quase dez anos. Muita coisa do que eu penso mudou. A pré-atleta que eu era é hoje uma atleta profissional com record mundial e cursos para dar para dezenas de alunos a cada edição. Os gordos e magros ocuparam outros lugares na minha vida e meu foco na alimentação se deslocou para outras preocupações.

Em 2005, acho que eu caía também na armadilha da gordofobia: a obsidade era um mistério assustador que eu só então começava a tentar entender, ainda com uma boa dose de preconceito. Esse gordo avesso ao mundo do movimento era o tal do “outro” incognocível. Não é mais assim que eu penso ou sinto hoje. Continue lendo