O futuro não é mais como era antigamente.

“Nos deram espelhos e vimos um mundo doente!”

Com essas duas citações dos anos 1980, começo mais uma de muitas reflexões.

Num certo país, um certo político que se gabava de sua progenitora ter nascido analfabeta, prometeu que em seu governo, seus concidadãos fariam 3 refeições ao dia. Antes disso alguns de seus correligionários haviam ficado famosos por combater a fome e a pobreza.
Logo depois, o órgão oficial responsável pelo recenseamento declarou que os pobres estavam obesos. Aí surgiu o paradoxo do superalimentado e subnutrido.

Enquanto isso, no Brasil, o jornal O Estado de São Paulo, publicou, em 2004

“[…]

E o mais notável é que se inverteu a proporção entre adultos desnutridos e pessoas com excesso de peso: há 30 anos, havia mais desnutridos que gordos e obesos. Hoje, existem no País 8 milhões de adultos desnutridos – que comem menos do que o necessário para uma vida saudável – e 38,8 milhões com excesso de peso, entre os quais 10,5 milhões de obesos. E a linha de pobres e indigentes, nessas três décadas, acompanhou a curva da desnutrição, ou seja, no período, reduziram-se à metade os dois índices.

[…]

O que é paradoxal é que a desnutrição – também um problema de saúde pública – está deixando de ser um flagelo endêmico e em seu lugar surge outro problema de saúde pública, igualmente grave: o excesso de peso e a obesidade. Constatou a pesquisa que esse fenômeno se deve menos à quantidade de comida à disposição das famílias e mais à qualidade da alimentação. O uso mais farto e disseminado de alimentos industrializados e o hábito de fazer refeições fora de casa contribuem para essa mudança. Apesar da dieta dos mais ricos ter 30% mais de calorias do que a dieta diária das camadas mais pobres, o cardápio dos mais ricos é mais desajustado. Mas a obesidade também é um problema dos pobres: atinge 10,3% das pessoas que recebem de meio a um salário mínimo mensal.

A partir dessa pesquisa, pobreza e fome, que eram fatores iguais numa mesma equação, terão de receber pesos diferentes, na orientação dos programas sociais do governo. Como observou o representante da ONU no Brasil, Carlos Lopes, “o problema da fome tratado pelo presidente Lula é mais uma questão emocional, devido a ele não tolerar moralmente que haja alguém que passe fome. Do ponto de vista macro, a fome não é o problema principal. Nem pensar”. […]”

As jornalistas Lucila Soares e Cecília Ritto escreveram na Veja, em 2010:

“[…]

O sobrepeso atinge mais de 30% das crianças entre 5 e 9 anos de idade, cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos e nada menos que 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20 anos. Entre os 20% mais ricos, o excesso de peso chega a 61,8% na população de mais de 20 anos. Também nesse grupo concentra-se o maior percentual de obesos: 16,9%.

[…]

A POF de 2002/2003 mostrou que as famílias estão gradualmente substituindo a alimentação tradicional na dieta do brasileiro – arroz, feijão, hortaliças – por bebidas e alimentos industrializados, como refrigerantes, biscoitos, carnes processadas e comida pronta. Tudo mais calórico e, em muitos casos, menos nutritivos. […]”

A Marília Coutinho, semanas atrás escreveu “O peso da pobreza“:

:

“[…]

Embora os países sejam muito diferentes em suas culturas alimentares, alguns padrões têm emergido:

  1. As maiores taxas de obesidade ocorrem nos grupos com maior taxa de pobreza e menor índice educacional;
  2. Existe uma relação inversa entre densidade energética (kcal/kg) e custo energético ($/kg).

Estes dois padrões explicam muita coisa. Os grupos mais pobres e menos educados têm menos dinheiro para investir em alimentação e menos informação quanto ao alimento. Assim, o alimento possível – pela carência de recursos econômicos e educacionais – é o de pior qualidade: denso em calorias, com grande quantidade de gordura e açúcares e pobre em proteína, fibras e vitaminas.

O pobre obeso é um desnutrido proteico e vitamínico e um sobre-alimentado calórico. […]”

O que aconteceu?

É mais ou menos inegável que do final dos anos 1990 para cá, o poder aquisitivo de uma parcela considerável da população aumentou. Em outras palavras, mais pessoas passaram a ter dinheiro sobrando. Com isso, novos hábitos foram incorporados, como o de comer fora.

Eu me lembro bem do surgimento de vários restaurantes “por quilo” perto de casa, num bairro residencial de São Paulo.
Um bairro que só tinha uma pizzaria, algumas padarias e alguns botequins.
De lá pra cá, aumentaram não só os restaurantes por quilo, mas também os restaurantes rodízio e as pequenas lojinhas, não mais que uma portinha, para a venda salgadinhos e outras guloseimas.
Comer num restaurante, um hábito antes restrito aos abastados, passou a fazer parte do quotidiano do proletariado, que antes dependia da marmita ou da “quentinha”.
Também cresceram as franquias de redes destinadas a vendas de lanches como os fast-foods, com a chegada de várias redes estrangeiras e também algumas nacionais, focadas no mineiríssimo pão de queijo e no conhecidíssimo chá mate.

Com tanta fartura de comida na rua, para todos os gostos e bolsos, para quê gastar tanto tempo em casa, acordar mais cedo para cozinhar a marmita e levar para o trampo, correndo o risco de azedar o feijão? No meu tempo de estudante, vivia de marmita, mas era a mãe quituteira quem fazia, enquanto cozinhava “pra fora”

Fast food basicamente é composto por coisas hiperpalatáveis, como comentei em Obesidade como Sintoma.
Como tal, são carregadas de sal, açúcar e outros carboidratos de alto índice glicêmico e óleos de sementes.
Essas coisas te fazem comer muito, pois são projetadas (mesmo!) para dar prazer e de alguma maneira te deixam saciado (mas não muito).
Mas algumas horas depois (menos do que seria esperado dada a bomba calórica recém ingerida) você está cheio de fome e de vontade de voltar lá e comer outro lanche mega-monstruoso maior que o do almoço.

Aqui vai um relato pessoal, da vivência dessa situação que acabei de comentar:

Em 1995, eu cursava o último ano do curso técnico e fazia o estágio, conforme exigência curricular.
O estágio era numa indústria farmacêutica na Zona Sul de São Paulo. Como é comum, havia um refeitório e comida farta, preparada no local, balanceada e cardápios montados por nutricionistas. Na entrada do refeitório, ficava uma amostra do cardápio do dia, com indicação do valor calórico de cada prato/porção.

Ao final da jornada de 8 horas na fábrica, ia para a escola, na Zona Norte. Pouco antes do meio do ano, foi inaugurado um novo shopping center, no terreno ao lado da escola. Estrategicamente, havia um portão que dava acesso direto da escola para o shopping.
Eu, feliz e contente com os R$360 (mais de 3 salários-mínimos) da bolsa-estágio parei de jantar na lanchonete da fábrica e passei a jantar um lanche “de número”, da famosa lanchonete do palhaço.

Ao final do ano, eu havia engordado 8 a 10kg.

Esse ciclo, de engordar 10kg num ano de mudanças, se repetiu várias vezes a partir de então, até que em 2012 encostei nos 120kg e passei a ser proativo com a minha alimentação.

O que mudou no mundo?

Menos pessoas preparam a própria comida, entregando a outros (no restaurante ou numa fábrica) a responsabilidade pela própria alimentação. Acreditam, ingenuamente, que um “steak” de frango é um pedaço de frango empanado, como se faz em casa. Acreditam, ingenuamente, que a comida é preparada com os mesmos ingredientes e cuidado que se usa em casa.

Como diz meu pai, cozinha é química. E os engenheiros de alimentos sabem muito bem. Certos preparos e certos ingredientes não podem ser congelados, ou armazenados e transportados em caixinhas bonitas. Algumas coisas precisam ser trocadas e outras adicionadas. Normalmente terminam em “-antes”. Mas essa comida não é como a de antes.

As coisas que as fábricas colocam dentro das caixinhas servem para enganar os seus sentidos e dar cor, sabor e textura onde não há nada. Seu cérebro sentiu o gosto e a textura de algo familiar, mas seu corpo não recebeu aqueles nutrientes. Você engorda (o que vai te deixa doente) e fica doente (por quê não recebeu os nutrientes que precisava).

As caixinhas coloridas e bonitas servem para enganar o cérebro do consumidor otário (você!), e convencê-lo que ele precisa do que está dentro do pacote.
Da próxima vez que for ao mercado, tire uma foto (ou observe) as cores das embalagens dos produtos de limpeza, dos refrigerados e das caixinhas de papelão com coisas comíveis dentro. Compare. É surpreendente.

Como reverter?

“Vote com sua carteira”. “Vote com seus pés”.
Compre comida de verdade, coisas que sua avó ou bisavó reconheceria como comida. No tempo dela, talvez a única coisa que viesse na caixinha fosse o amido de milho e os flocos de milho. O resto era comida de verdade. Comida de verdade, ESTRAGA.
Antigamente as pessoas tinham jeitos malucos de conservar a comida. Afinal, geladeira era coisa da cidade grande, ou de gente muito rica.

As carnes eram salgadas, defumadas, ou fritas e mergulhadas na banha do próprio animal que as forneceu. Os miúdos eram moídos e transformados em embutidos, muito condimentados e ás vezes defumados. Hortaliças eram postas a fermentar. Leite fresco (e cru) virava coalhada (fermentada), manteiga e queijos (fermentados, de novo).

Concluindo

Assumir a responsabilidade pela própria alimentação, longe de ser uma forma de combater a (sua) obesidade, é a forma mais eficaz de cuidar da sua saúde. Lembra da sua avó (ou bisavó) dizendo que vitamina se compra na quitanda?

Ela tinha razão.

Sobre Paulo Marcondes

Geólogo, Mestre em Ciências e Engenharia de Petróleo, Professor. Estudante dos estilos de vida e tradições nutricionais ancestrais. Praticante e instrutor de Kali Silat (STW) e Kombato, amante do ar livre, proto-radioamador, proto-jipeiro, proto-gyrevik, powerlifter-wanabe, e chato nas horas vagas. Ver todos os artigos de Paulo Marcondes

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